Substitutivo deve promover
mudanças significativas na mais importante lei de incentivo do País.
A lei completou 20 anos em
dezembro do ano passado, mas nem todo artista ou grupo de artistas sabe, de
fato, lidar com ela. Batizada com o nome do então secretário de Cultura, o
filósofo Sérgio Paulo Rouanet, a lei 8.313 foi criada como forma de estimular o
incentivo à cultura em diversos âmbitos, facilitando o financiamento de
produtos culturais, inclusive via iniciativa privada. Em duas décadas, a Lei
Rouanet já aprovou mais de 35 mil projetos, investindo cerca de R$ 12 bilhões.
Apenas no ano passado, mais de 8,5 mil projetos estava, em pauta no Ministério
da Cultura e 12 mil, ainda em execução.
No entanto, em tantos anos,
nem sempre o texto original foi representativo e conveniente ao processo de
produção cultural, sofrendo várias modificações. A mais atual delas, sancionada
em janeiro deste ano, reconhece a música gospel e os eventos a ela relacionados
como manifestações culturais. Está, no entanto, em apreciação na Comissão de
Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados um substitutivo para a Lei
Rouanet, intitulado de ProCultura, concebido pelo deputado Pedro Eugênio
(PT-PE) como forma de revisar os mecanismos de financiamento disponibilizados
pelo texto atual. As mudanças propostas pelo ProCultura foram o mote da
apresentação do secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da
Cultura (Sefic/MinC), Henilton Menezes, durante sua passagem por Fortaleza, no
último domingo, 17, no Zona Escola Roda de Conversa, integrante da programação
do Zona de Transição (I Festival Internacional de Artes Cênicas do Ceará).
Diretrizes
A Rouanet permite que
artistas ou grupos captem recursos para seus projetos através de três
mecanismos distintos: a renúncia fiscal ou Mecenato, o Fundo Nacional de
Cultura (FNC) ou ainda o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). O
Mecenato acaba sendo o mais usual deles e nada mais é do que o apoio via
patrocínio de empresas privadas, que recebem como contrapartida um desconto de
até 4% no imposto de renda.
"Este incentivo foi
desenhado para priorizar a sedução ao empresário, digamos assim. O MinC
disponibiliza uma série de opções de projetos e o empresariado decide qual quer
apoiar. Isso depende de muitos fatores, que partem de uma lógica própria do
fazer empresarial. Aliás, muita gente vê a iniciativa privada como vilã, mas
não é isso. É preciso entender também a intenção do empresário ao apoiar um
evento", comenta Henilton.
Já através do FNC,
recorre-se ao próprio governo como patrocinador. Este mecanismo é sugerido a
projetos que talvez não possuam tantos atrativos à iniciativa privada, como,
por exemplo, pesquisas e produções literárias com recortes muito específicos.
Neste caso, o Fundo Nacional da Cultura financia até 80% do projeto, exigindo
do proponente 20% de contrapartida.
"O FNC deveria chegar
aonde o empresário não quer ir. A ideia era que o Ministério tivesse um
mecanismo no qual não prevalecesse a sedução empresarial, mas a importância de
preservação da cultura, independentemente do empresariado", explica o
secretário.
Além desses, há ainda o
Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), que, na verdade, nunca
saiu do papel, sobretudo porque representa alto risco financeiro ao
empresariado. No Ficart, em vez de doação cria-se um fundo de investimento, que
garante o reembolso das despesas dos apoiadores. "Este mecanismo é
indicado a grandes produções artísticas, como shows de artistas, em que se visa
lucro e se tem a certeza de excelente público", sugere Menezes.
Na prática, no entanto, além
das particularidades de casa projeto, que tornam os usos da lei mais dinâmicos,
nem sempre os mecanismos são escolhidos de forma ideal, provocando disparidade
na divisão dos recursos, seja por região, seja por linguagem artística. Segundo
os números apresentados por Henilton Menezes no Zona de Transição, 80% dos
recursos captados no Brasil em 2011 se concentraram na região Sudeste, enquanto
o nordeste ficou com pouco mais de 5%, uma consequência do interesse das
empresas em divulgar suas marcas nos estados de maior visibilidade; na divisão
por área cultural, Música (27%) e Artes Cênicas (24%) lideravam a quantidade de
pautas encaminhadas a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC),
responsável pela análise de projetos, enquanto Artes Visuais (7%) ou Patrimônio
Cultural (4%) se mantinham entre os últimos - também reflexo da lógica
empresarial de maior visibilidade.
Segundo Menezes, o
Ministério da Cultura atualmente apoia as mudanças propostas pelo Deputado
Pedro Eugênio por entender que a sociedade brasileira tem demandado novos modos
de se fazer cultura. "Se analisarmos o orçamento anual destinado à Cultura
nos últimos anos, ele praticamente dobrou em um intervalo de cinco anos e isso,
entre outros, porque desde a gestão do ex-ministro Gilberto Gil a Cultura
passou a receber projetos de uma série de coisas que antes pareciam não se
encaixar na pauta: cultura indígena, GLBT, afro descente... Houve uma ampliação
do conceito de cultura e a lei de incentivo a esses projetos, de repente,
parece não atender de forma conveniente a todos eles", defende Menezes.
A prova é que, em 2011 no
Nordeste, dos mais de R$410 milhões aprovados para projetos, apenas R$67
milhões foram captados, ou seja, realmente foram executados. Uma porcentagem de
apenas 16,44% de aproveitamento. "No MinC, se você comparar o valor do
orçamento anual previsto e o valor investido vai ver que nosso aproveitamento
foi quase total (96,7%), no entanto, ainda sim, muitos projetos ficam de fora.
Isso é reflexo da grande quantidade de projetos enviados, mas principalmente da
centralização dos recursos, que acontece, como eu disse, por causa da lógica
empresarial de investimento e, por outro lado, do pouco potencial de
investimento que alguns desses projetos oferecem", esclarece o secretário.
Mudanças
A proposta de Pedro Eugênio
cria novos mecanismos que visam melhorar a distribuição dos recursos do FNC e
do mecenato, bem como ampliar o montante nessas duas fontes de financiamento.
Os valores do FNC poderão ser incrementados em até R$ 600 milhões, duas vezes o
valor atual, que é de R$ 300 milhões.
A nova lei pretende, além de
fortalecer o FNC para descentralizar os incentivos. A intenção é equilibrar o
fomento proveniente do Estado e o do mecenato. "A ideia é, a partir do
ProCultura, renúncia, que já funciona muito bem, e FNC sejam realinhados",
assegura Menezes. Atualmente as empresas podem abater até 4% do imposto de
renda. Com o ProCultura, ela poderá chegar a 6%. Deste valor, 1% será destinado
ao FNC e o 1% final é dividido entre fundo e o projeto. Além disso, 5% da renda
de loterias também será destinado ao fundo.
Segundo o relator do
projeto, ainda que a proposta seja direcionar o fundo a localidades hoje pouco
beneficiadas, o ProCultura não cria obstáculos para projetos cariocas e
paulistas. O projeto só estabelece um piso para que parte do orçamento seja
transferido a estados e municípios de outras regiões.
Outra novidade é a criação
dos "territórios certificados", áreas definidas pelo Ministério da
Cultura que receberão incentivos com prioridade. "Através do Conselho
Nacional de Política Cultural vamos selecionar as áreas do país com menor
volume de investimento e tentar compensar isso", acrescenta. Já quanto aos
Ficart, a proposta é torná-los mais atrativos, garantindo pelo menos 50% de
renúncia fiscal aos investidores.
Ceará
Entre os valores captados em
2011, a boa notícia é que o Ceará surge em posição regular. É o 10º estado
brasileiro que mais executou projetos através da Lei Rouanet (cerca de R$ 15,9
milhões) e terceiro do Nordeste, perdendo apenas para Pernambuco (R$22,6) e
Bahia (R$16,5). Segundo Henilton Menezes, é um montante razoável.
"Sempre acho que é
possível aumentar, mas 15,9 milhões é uma boa performance, já que nos estados
nordestinos que ocupam os dois primeiros lugares há empresas de maior porte.
Para você ter uma comparação, estaremos lançando neste ano um edital específico
para a região Amazônica, justamente porque a captação de lá é pífia. Rondônia,
Acre, Tocantins, Amapá e Roraima são respectivamente os cinco últimos estados
da lista. Este edital terá um volume de investimento de R$ 15 milhões",
argumenta o secretário.
MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER
Copilado do Diário do Nordeste
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